sexta-feira, 29 de julho de 2011

Espiritualidade

A ESPIRITUALIDADE DE JESUS

O ponto mais alto da espiritualidade judaica era o zelo extremado com os detalhes rituais da liturgia veterotestamentária. O estereótipo religioso, como vestimentas, textos bíblicos escritos na testa e nos braços, bem como o ato de lavar as mãos antes das refeições; eram cuidados especiais que denotavam uma verdadeira espiritualidade. A concepção de espiritualidade adotada pelos judeus esbarrou muito com a espiritualidade de Jesus, pois esse não mediu a espiritualidade de alguém pelo perfil que os religiosos adotavam naquela época. Para o judaísmo havia um maniqueismo religioso que separava atitudes sociais de atitudes espirituais. Fazer compras ou passear seria para o judeu uma atitude carnal, já caminhar para o templo recitando trechos da bíblia seria uma atitude totalmente espiritual.

Jesus foi questionado por uma mulher sobre a dimensão geográfica da espiritualidade, mas para sua surpresa, ela aprendeu que a verdadeira espiritualidade deveria transpor a dimensão geográfica, bem como o êxtase religioso momentâneo. Jesus afirmou categoricamente para a mulher que foi evangelizada no poço de Samaria que a verdadeira espiritualidade não estaria nem no monte gerezim, nem em Jerusalém, mas sim num coração sincero que quisesse adorar a Deus em espirito e em verdade. Para Jesus não importa onde se vai, mas como se vai. Alguém pode estar indo á Igreja com uma atitude que não glorifica a Deus, enquanto alguém pode estar indo para a sorveteria com sua família de uma forma que as pessoas ao observarem a atitude dessa família ficariam admiradas com a educação, cordialidade, respeito e testemunho cristão que deveria ser peculiar das pessoas que se dizem seguidoras de Jesus. Para Jesus a verdadeira espiritualidade tem tudo a ver com nossos atos singelos de solidariedade e altruísmo. Conforme a declaração de Zaqueu que ao ter um encontro com Jesus expressou fervorosamente. “Tenho dado metade dos meus bens aos pobres, se tenho roubado alguém restituirei quatro vezes mais...” Jesus sabia que o propósito fervoroso de Zaqueu era sincero. Não como o fervor do povo de Israel que ao contemplar o monte fumegar exclamou:...”Tudo que o Senhor mandar faremos...” no entanto, alguns dias depois, ao perceber a ausência do profeta, fizeram bezerro de ouro, prostrou diante dele como sendo seu deus. Não como o fervor do jovem que queria seguir Jesus, mas ao perceber que Jesus não tinha onde reclinar a cabeça desistiu minutos depois.

Quantas pessoas nos dias atuais têm procurado uma espiritualidade momentânea, mas vindo as lutas ou dificuldades, elas se tornam queixosas da sorte. Quantas pessoas têm ostentado uma espiritualidade de aparência, enquanto Jesus foi elogiado por um rabino declarando abertamente sua sinceridade - “... sabemos que tu és mestre, vindo de Deus e não olhas para a aparência, mas julgas retamente...” Muitas pessoas tem se apresentado nos cultos com um perfil espiritual de chamar atenção das pessoas, mas será que essas pessoas tem tido um perfil espiritual no dia a dia com a família, com os colegas de trabalho ou de escola.

Certa feita eu estava pregando em uma Igreja e do meu lado esquerdo havia um diácono que gritava glória a Deus bem alto, a ponto de me atrapalhar o raciocínio. Aquilo me causou um mal estar e derepente eu disse: algumas pessoas são espirituais na igreja, dando glória Deus alto, mas em casa Deus não é glorificado com suas atitudes. Essas pessoas muitas vezes são péssimas como pais de família. Quando eu disse essas palavras, aquele Diácono parou de glorificar a Deus e isso até o fim do culto. Ao terminar o culto a esposa do pastor daquela Igreja me disse: pastor! Este irmão que estava dando glória a Deus alto é um péssimo marido, sua esposa sempre está reclamando do seu machismo e de sua truculência dentro do lar. Na verdade eu não conhecia o irmão, mas minha colocação caiu como uma luva para aquele indivíduo. É verdade que Jesus valorizou o ritual sincero, valorizou o fervor momentâneo no culto, pois ele mesmo glorificou ao pai, ele foi batizado num ritual religioso judaico de purificação. Mesmo sendo ele o salvador-convinha que se cumprisse às escrituras. João viu uma pomba representando o Espirito Santo, a voz do pai foi ouvida. O povo glorificava a Deus quando Jesus operava milagres. Os crentes falavam em línguas no dia do pentecostes. Tudo isso faz parte da espiritualidade e Deus exige de nós. No entanto essas atitudes de espiritualidade nem sempre denotam o conceito verdadeiro de espiritualidade. Para Jesus a espiritualidade esta no culto, mas ela continua no trabalho, na escola, na rua e em casa. Tudo que fazemos na definição de Jesus deveria ser encarado como espiritualidade. Os rabinos por encarar a refeição como um ato carnal e ganancioso, lavavam as mãos repetidamente por sete vezes, recitando salmos para mostrar que eram comilões, mas espirituais. A Igreja medieval encarando o sexo como um ato carnal e diabólico, chegou ao absurdo de proibir o casamento para sacerdotes e ainda ensinou a grande heresia de que o sexo deve ser exercitado só para a procriação. Jesus ensinou que a verdadeira espiritualidade vem de dentro para fora e que qualquer ato que fazemos deveria ser encarado como sendo espiritual, pois tudo vem de Deus. Se me divirto com modéstia e respeito ao próximo, isso deve ser encarado como espiritual, se trabalho para sustentar minha família, isto deve ser encarado como espiritual, pois tudo vem de Deus, a saúde, o pão de cada dia, os livramentos, a adversidade e a vitória vêm de Deus.

Quando pratico atos de solidariedade sou espiritual, se caminho para igreja, sou espiritual, se caminho para escola, sou espiritual, pois lá me comporto como cristão e muitos vêem em mim, atitudes que glorificam a Deus, portanto me torno espiritual.

Eu conheci um crente que trabalhou comigo quando eu servia a Marinha do Brasil no Rio de Janeiro. Este era um crente fervoroso, todo dia de manhã ele dizia: o culto ontem foi uma benção, e isto ele dizia bem alto para todos ouvirem. Aquele irmão falava de Jesus, falava do evangelho, cantava hinos nos corredores do quartel. No entanto eu observava que aquele irmão tinha um comportamento bastante mesquinho em relação ao próximo. Toda a vez que alguém precisava de um favor dele, dizia: não posso, vai me incomodar, não tenho, vai me lesar. Aquele militar cujo estereotipo religioso já era bem conhecido no quartel, volta e meia passava alguém para trás com suas atitudes de furar fila, deixar de cumprir suas obrigações, sobrecarregando os demais etc. Um dia algo me chamou bastante atenção numa de suas atitudes, não que eu me considerasse mais santo do que ele, mas foi algo que me incomodou. Mesmo com todas as minhas falhas. Ele estava terminando de almoçar no interior do refeitório e ao lado do seu prato havia duas bananas que fora servido como sobremesa. E como no quartel, quem chega atrasado ás vezes perde a sobremesa, eis que um militar assentou do seu lado e pediu-lhe uma banana, em virtude de ter acabado todas as bananas. Ao ser abordado pelo colega que não era de sua religião, o referido irmão fervoroso retrucou: não vou te dar nenhuma banana, pois você sabe muito bem que na Marinha quem chega por último, perde a sobremesa. Mas o colega insistiu dizendo: e aquele versículo da bíblia que nos ensina a repartir o pão. Pois que eu saiba, você é um cristão. O irmão fervorosamente treplicou: a bíblia ensina a repartir o pão, não a banana. O “ímpio” emudeceu, engoliu a seco e ficou sem a sobremesa, enquanto o “espiritual” comia as bananas despreocupadamente.

O grande pacifista Mahatima Gandi, libertador da Índia, sendo conhecedor das escrituras sagradas, principalmente o Novo Testamento, mesmo não sendo seguidor do cristianismo, ficava impressionado com a atitude de alguns cristãos. Especialmente quando morou na Inglaterra, onde estudou Ciências Jurídicas. Ao passear num final de semana em frente de uma Igreja protestante histórica. Ouvindo o belo som musical de louvor a Deus, resolveu entrar pela primeira vez numa Igreja cristã, já que os ensinos de Jesus o haviam causado boa impressão. Mas para sua surpresa, ao tentar entrar pela porta principal, foi barrado e impedido pelo diácono, que justificou o impedimento de entrar no culto, em razão da sua cor de pele ser morena. Um dia, quando morava na África do sul, foi empurrado da calçada para a rua por um religioso que vinha de um culto fervoroso, pelo fato de haver naquele país o costume de que um homem de pele morena jamais poderia andar numa calçada naquela cidade. Pois segundo os habitantes daquela cidade, os negros e morenos deveriam caminhar pela sarjeta, correndo o risco até de serem atropelados.

A verdadeira espiritualidade cristã foi tão deturpada ao longo dos anos que muitos países que poderiam se tornar cristãos optaram pelo islamismo, budismo, hinduismo e outros segmentos religiosos. A Índia é um grande exemplo disso, caso o diácono deixasse Gandi adentrar no templo, e caso ele se convertesse, poderia ganhar toda Índia para Jesus.

No século XIX, muitos “avivalistas” da Europa e América do Norte, que se diziam tão espirituais, não moveram uma palha para combater a segregação racial, bem como a injustiça e humilhação pelas quais passaram os negros. Aliás, muitos deles tinham até escravos que os carregavam nas costas, para os transportarem ás cruzadas de evangelização. Submetiam os negros a humilhações, surrando-os diante de todos, simplesmente por causa da cor de suas peles.

Ainda hoje o conceito de espiritualidade tem sido distorcido por religiões que matam, trucidam e aterrorizam o mundo em nome de Deus, em nome de uma falsa espiritualidade, falsa religiosidade. A verdadeira espiritualidade, no entanto, é a que produz o fruto do Espírito: Amor, bondade, longanimidade, paz, fé, temperança, benignidade, moderação, domínio próprio. Contra essas coisas não lei que possa superá-las. I Cor. 14.

Jesus não procura ostentar espiritualidade, pois ele já é espiritual em todos os sentidos. Ele não se preocupa em se apresentar como espiritual, tampouco fingir estar em êxtase pentecostal. Suas maiores mensagens são pregadas estando ele assentado no meio do povo. Ele não grita, não uso mecanismos para emocionar as pessoas, ele não aceita desafios para realizar façanhas mirabolantes com o fim de mostrar seu poder, mas cura e expulsa demônios quando lhe convém. Quando Jesus prega, não diz que Deus está mandando falar, ou que está sentindo algo extraordinário, pois sem ele dizer, todos percebem que é o próprio Deus falando e que algo extraordinário está realmente acontecendo. Ele não usa artimanhas para manipular as pessoas, mas através de perguntas e respostas leva as pessoas a refletir e tirar suas próprias conclusões. Ele não diz que passou a noite em oração, pois todos sabem que ele é um homem de oração. Ele não precisa dizer que jejuou, pois todos sabem que ele é abstêmio e altruísta. Ele não faz encenação para representar algo que não é. Mas através de palavras atos e postura leva as pessoas à busca da verdadeira espiritualidade-aquela que é duradoura. Jesus não força situações, mas procura abordar as pessoas objetivando levar essas pessoas a tomar uma decisão contundente, aquela de segui-lo, deixando os embaraços para trás. Sua homilia é simples, mas faz tocar profundamente as pessoas. Quando prega no último dia da festa, exclama:...”Quem tem sede, vem a mim e beba...” A palestina era uma região árida, onde fazia 50º de calor, a água para beber era mais caro do que o vinho e o leite, portanto a água era considerada líquido de grande valor para os habitantes daquela região. Sem água o ser humano não sobrevive, destarte Jesus usa esta metáfora para orientar o povo que está morrendo espiritualmente de sede. Os servos dos sacerdotes que foram prendê-lo, voltaram surpresos com a autoridade e unção com que Jesus pregou, que disseram para seus chefes: nunca alguém falou como este homem.

A espiritualidade de Jesus é um ato de responsabilidade que implica em muitos aspectos de nossa vida. O culto a Deus, os momentos de oração, pois assim Jesus fazia, se retirava para meditar e falar com Deus. As consagrações específicas, como jejum e principalmente o exercício de santificação. Na concepção de Jesus todas essas atividades são necessárias, mas visam um só propósito-o crescimento do reino de Deus, e isto se faz com religiosidade na prática, aquela do dia a dia. Aquela que vive na prática o que prega na teoria, aquela que não espanta as pessoas, mas atrai-as. Aquela que revoluciona. Que transforma vidas, que modifica o comportamento das pessoas. Que ajunta, ao invés de espalhar. Que soma, ao invés de dividir. Que reparte ao invés de mesquinhar. Que socorre ao invés de omitir. Que caminha, ao invés de parar. Que acolhe ao invés de espalhar.